Trabalhavam juntos desde os tempos do Trombetas. Apesar das personalidades bastante distintas, o que com frequência provocava divergências e discussões, foram sempre amigos leais. Tinham em comum o comportamento pouco convencional, a ponto de correr no folclore geológico que, durante a pesquisa de bauxita no platô Saracá, no final da década de 60, chegaram a trabalhar nus, só de botas, pelas picadas. Consideravam que, se os índios andavam assim pela selva, é porque deveria haver uma boa razão.
A dupla, Roberto Assad e Antonio Pinto, foi responsável por boa parte da pesquisa da Alcan, no Trombetas e, mais tarde, da Docegeo em Almeirim e Paragominas — onde também houve contribuição marcante dos geólogos Neidemar Farias e Carlos Alberto Alves. A pesquisa no Trombetas permitiu a avaliação do mais importante polo produtor de minério de alumínio do Brasil — hoje em operação pela Mineração Rio do Norte. Os trabalhos de Paragominas e Almeirim foram decisivos para a implantação de uma cultura de alumínio no Sistema CVRD, o que contribuiu para a criação de condições políticas que possibilitaram o seu ingresso no setor.
Nos tempos da Docegeo, Assad foi sempre o chefe do projeto e Antonio Pinto o seu fiel escudeiro. Um planejava e orientava os trabalhos de campo; outro cuidava mais da sua execução e, principalmente, dos serviços de apoio nos acampamentos. Antonio Pinto possuía critérios de julgamento bem machistas. Era comum, no seu processo de avaliação dos técnicos da equipe, que tivessem melhor pontuação aqueles que carregassem suas amostras e lavassem suas roupas, sem a ajuda dos empregados contratados para essa função. Sempre que possível, gostava de ficar ao lado do equipamento de radiocomunicação, para se atualizar sobre tudo que ocorria na empresa, principalmente as fofocas que às vezes escapavam de um acampamento para outro.
No final de 1974, tive a oportunidade de participar de uma das minhas mais memoráveis viagens pela Amazônia, na companhia dos amigos Roberto Assad e Jose Thadeu Teixeira.
Praticamente cruzamos toda a sua parte sul, do Araguaia ao Madeira, de Rio Maria a Guajará-Mirim. Com o helicóptero fomos até o Xingu, visitando os principais prospectos da Docegeo na região de Carajás. Em Rio Maria — pequena vila que surgia ao redor de uma serraria de mogno, ao lado do rio homônimo e da recém-aberta rodovia PA-150 —, tinha início a prospecção que levaria à descoberta do ouro da Serra das Andorinhas. Esse fato, ocorrido em 1976, tornou-se público no ano seguinte com a invasão garimpeira, e deu origem à corrida do ouro do sul do Pará, que levou ao surgimento dos garimpos de Rio Branco (Tucumã), Serra Pelada, Cumaru e tantos outros.
No coração de Carajás, o alvo do Igarapé Bahia era apenas uma grande promessa — indícios espetaculares de cobre, os primeiros da região, haviam sido revelados em amostras de sedimentos de corrente. Ao andarmos sobre o platô, no interior da floresta, pouco conseguimos ver: apenas solo vermelho e blocos de canga. Nesse platô esteve em atividade, até o início deste século, uma das melhores minas de ouro do mundo, com capacidade de produção de dez toneladas por ano. Em 1996, sob esse platô, foi descoberto um dos importantes depósitos de cobre e ouro de Carajás: do Alemão.
Chegamos ao Xingu na tarde do aniversário do colega Hirata, comemorado no jantar com brindes de cachaça. Naquela área desenvolvia-se um programa de prospecção de sulfetos de cobre, zinco e chumbo, nas rochas vulcânicas ao redor da "Ferradura" do Xingu. Esse objetivo não teve êxito, mas logo no início foram identificados sinais de cassiterita nas aluviões do granito Antonio Vicente. Nessa visita, pela última vez estivemos no campo com o geólogo Gemaque — logo depois tragicamente morto em Belém —, verificando os primeiros poços de pesquisa.
Essa descoberta motivou a invasão garimpeira no final de 1976. No ano seguinte, mais de dez mil homens trabalhavam na área e dezenas de aviões monomotores faziam uma ponte aérea até Conceição do Araguaia, no transporte da cassiterita. Com a exaustão das áreas mais ricas passíveis de garimpagem, as aluviões do Antonio Vicente foram arrendadas pela CVRD ao Grupo Paranapanema, instalando-se a lavra mecanizada com a utilização de dragas.
Ao relembrar fatos, há uma sensação estranha diante dos desígnios do destino. Visitamos apenas três prospectos, na fase inicial de reconhecimento geológico. Sem que soubéssemos, os dois primeiros alvos viriam a se transformar em importantes jazidas de ouro (Andorinhas e Igarapé Bahia) e cobre e ouro (Alemão) e, outro, na jazida de estanho do Antonio Vicente. Estávamos no caminho certo, mas não tínhamos certeza disso... Quantas riquezas ainda pode haver nos locais por onde hoje pisamos...
Por volta do meio-dia, quando tomávamos banho numa praia da ilha do Triunfo, fomos surpreendidos por um forte temporal tropical, com trovões em profusão. Estávamos de cuecas, para nos proteger de eventuais candirus (1). De costas para a praia, para espantar o medo dos raios que azulavam ao redor, comecei a comentar com Assad um trecho de “Trópico de Capricórnio", onde Henry Miller narra uma cena de sua juventude, provavelmente fictícia, ocorrida durante um período de férias. Estava com duas garotas que mal acabara de conhecer, os três nus após nadarem no rio, quando também se formou uma tremenda tempestade. O furor dos raios e trovões os levou a um estado de histeria, e acabaram correndo, gritando, sob a chuva. Uma das garotas só voltou à tranquilidade com os carinhos do Henry. No final da narrativa, acrescentei para fazer graça:
- Só faltam aparecer duas garotas de calcinha e sutiã. — o interessante é que não falei nuas, mas sim em trajes sumários.
Assad olhou-me com espanto, sorrindo, sem nada dizer...
- O que foi?... Por que essa cara?... — Tentava entender o que estava acontecendo.
- Olhe para trás...
Virei-me e não acreditei no que via. Na praia havia exatamente duas garotas de calcinha e sutiã, uma delas com uma garrafa de pinga. A chuva era muito forte e, apesar da distância não ser grande, tínhamos dúvida se era realidade ou apenas uma visão...
Mas, ao nos aproximarmos tudo foi esclarecido: tinham caso com técnicos de mineração da nossa equipe e, ao ouvirem o motor do barco que nos deixou na ilha, pensaram que fossem eles para mais um encontro de amor.
Entre o barulho dos trovões, ouvimos o ronco mais forte do bimotor que viera nos buscar e que havia arremetido durante a tentativa de pouso na pequena pista do seringal. Mal percebemos seu vulto rasante para o sul, na direção de São Félix do Xingu.
O helicóptero nos levou até São Félix do Xingu, onde o bimotor nos aguardava para a viagem até Itaituba, no Tapajós. Fomos recebidos por Thadeu e pela equipe que nos acompanharia na parte terrestre do programa, em busca do desconhecido. O trecho da Transamazônica, entre Itaituba e Humaitá, no rio Madeira, tinha acabado de ser concluído.
Essa parte da Amazônia permanecera até então com atividade humana apenas em poucas áreas isoladas. As informações sobre a existência de recursos minerais estavam restritas às proximidades dos maiores rios. Assim, conheciam-se os depósitos de manganês do rio Sucunduri e de Prainha, no rio Aripuanã. Durante a abertura da Transamazônica, a empreiteira Camargo Correa tinha iniciado um programa de prospecção de cobre na região, aproveitando as facilidades de sua infraestrutura. Um pouco para o sul, havia a mina de cassiterita do Igarapé Preto, de propriedade do Grupo Paranapanema.
Em uma Chevrolet cabine dupla C 10, partimos — três geólogos, um capataz e o motorista — na expectativa de encontrar indícios geológicos que confirmassem a vocação da região para depósitos de manganês ou de cobre. Não sabíamos nada a respeito das condições da estrada e nem das facilidades para abastecimento e pernoite.
Na manhã do primeiro dia, ainda encontramos alguns trechos em obras até Jacareacanga. Nessa pequena cidade famosa por suas nuvens de piuns (2), vimos uma cena inusitada. A sua vida contrastava com a das demais comunidades da Amazônia, sempre com muito burburinho nas ruas. Em pleno meio-dia, eram raras as pessoas na rua e todas as casas, até a mais simples palhoça, possuíam tela em suas janelas. Se o lugar era tão inóspito pela agressividade dos mosquitos, por que as pessoas teimavam em lá permanecer?... A natureza humana sempre deixa muitas questões sem resposta...
De um modo geral, as condições da estrada eram excelentes, pois mal acabara de ser concluída e ainda não sofrera os rigores do "inverno" amazônico. Providenciamos o transporte do combustível a partir de Jacareacanga, e não houve problemas com o abastecimento. No final da tarde, atingimos o acampamento da Camargo Correa, onde reencontramos o geólogo Miltão, companheiro de outras aventuras pela Amazônia. Pouco depois, quando anoiteceu, paramos para o único pernoite na estrada.
Utilizamos para abrigo um tapiri abandonado pela turma da construção, situado na beira de um rio. Tempos bons aqueles, quando não havia nada a temer...
No segundo dia, visitamos a mina de cassiterita do Igarapé Preto, na época já com sinais de declínio. Ao cair da tarde, chegamos ao rio Madeira, em frente à Humaitá.
O veículo só pôde ser atravessado na manhã seguinte, pois as balsas não operavam a noite, para evitar possíveis choques com troncos flutuantes. Seguimos numa pequena canoa. A chegada às cidades ribeirinhas da Amazônia sempre e um momento de beleza e de surpresa. Vistas do rio, elas apresentam um perfil imponente e harmônico com a paisagem. Humaitá não fugiu a regra, com sua organização urbana e sua febril atividade comercial, perdida nos confins da floresta amazônica. Havíamos transposto o trecho mais desconhecido, porém infelizmente nossa expectativa se frustrou; a geologia da região era monótona e sem sinais de mineralizações de interesse econômico, pelo menos nas proximidades da rodovia.
Em Rondônia, visitamos a mina de cassiterita de Santa Bárbara, quando ainda não havia a menor suspeita de Bom Futuro. Demos uma esticada ate Guajará-Mirim para avaliar a ocorrência de sulfeto maciço do "Corte de Iata". De quando em quando, a rodovia acompanhava o leito da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, extinta alguns anos antes. Havia trabalhos de prospecção de ouro no rio Madeira, mas nada indicava a explosão garimpeira que viria a ocorrer no início dos anos oitenta. Depois de oito dias, estávamos concluindo a nossa missão...
De volta a Porto Velho, na manhã de domingo tentamos contato com o nosso escritório em Belém, para informar o término de nosso trabalho e o retorno pelo voo da Cruzeiro, com pernoite em Manaus. O capataz montou o equipamento de rádio no gramado do hotel e, infrutiferamente, procurava comunicar-se:
- Alô Escritório da Docegeo-Belém!... Chamando de Porto Velho. Câmbio...
Depois de várias chamadas, tentou fazer a ponte através de algum acampamento, pois as equipes de rádio permaneciam sempre no ar para dar segurança aos voos dos helicópteros.
- Atenção toda rede da Docegeo!... Chamando de Porto Velho!... Peço ajuda para contato com Belém!...Câmbio...
Como resposta, novamente apenas o silêncio.
Depois de algum tempo, Assad impacientou-se:
- Me dê o microfone!... O Antonio Pinto está em Almeirim e é bem possível que aquele sacana esteja ao lado rádio. E logo começou a chamar.
- Alô Almeirim!... Alô Antonio Pinto!... Assad chamando...
Imediatamente, houve a resposta:
- Pode falar chefe!...
Antonio Pinto o tempo todo estivera na escuta e, certamente divertindo-se com o nosso drama. Mas não resistiu, por lealdade, a atender rapidamente ao chamado de seu amigo e chefe...
(1) Espécie de peixe comum na Amazônia. Segundo a crença popular, o candiru penetra na uretra das pessoas que estão banhando-se nos rios. Diz-se também que este peixe morde pessoas e animais, para sugar-lhes o sangue.
2) Espécie de mosquito semelhante ao borrachudo. O termo vem do tupi-guarani e significa que “come a pele”, segundo o Dicionário do Aurélio.
* Publicada originalmente na Revista Brasil Mineral e no livro Pelas Pedras do Caminho Mineral, da editora Signus
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