Gazeta Carajás - O genuíno portal de notícias do sul e sudeste do Pará

MENU

Colunas / Coluna Breno dos Santos

O último geólogo no Xingu

Coluna do geólogo Breno dos Santos, o descobridor de Carajás, sobre o trabalho para descoberta das jazidas minerais da região

O último geólogo no Xingu
A-
A+
Use este espaço apenas para a comunicação de erros nesta postagem
Máximo 600 caracteres.
enviando

Tudo tinha acontecido muito depressa. Agora, que havia terminado, podia ver com clareza que o pesadelo não durara tanto — pouco mais que quatro meses. A demissão da ICOMI — desejada, mas recebida com tristeza e incertezas —, o primeiro mês superado com a ilusão de merecidas férias. A decisão de não mais voltar à Amazônia — para não ter que voar em hipótese alguma. A avaliação com o amigo Oiti da possibilidade de ingressar no Projeto Goiás do DNPM. A busca de emprego na mina de Canabrava e em Governador Valadares.

A tentativa de abandonar a profissão e começar a vender enciclopédia. Até a rendição final, com o envio do meu currículo ao Tolbert - mestre de Geologia Econômica das saudosas salas da Alameda Glete, na Universidade de São Paulo -, com a aceitação de novamente trabalhar na Amazônia, no programa de prospecção de manganês da Meridional (United States Steel]. Tudo ficara para trás e já fazia parte de um passado distante...

Sentado num pedral do Xingu, na Ilha de São Francisco, só com as minhas lembranças naquela tarde de domingo, repassava esses acontecimento e questionava se o preço da liberdade — longe dos conflitos ideológicos e éticos de Serra do Navio — não havia sido muito alto.

Talvez tivesse sido melhor ser mais transigente aceitar as contradições administrativas da empresa e permanecer junto da família. Yolanda e Sandra — com apenas dois anos — ainda permaneciam na casa da sogra cm São Paulo, sem que houvesse previsão de quando teríamos novo lar em Belém, e mesmo de como seriam os períodos de folga de campo — quem sabe, em seis meses, arrumaria novo emprego no sul e poderíamos voltar a levar uma vida normal...

 

Por do Sol no rio Xingu

 

Começávamos um ambicioso programa de exploração geológica, mas com muita improvisação. As decisões eram tomadas com a evolução dos acontecimentos. Assim tinha sido quanto à escolha da área do nosso programa: entre aquelas com ocorrência de manganês, o Amapá fora descartado por ser considerado conhecido pela presença da ICOMI; Sucundurí, por ser muito distante; restou a região Araguaia-Xingu, totalmente desconhecida — a descoberta do manganês do Sereno pela CODIM (Union Carbide) acontecera no ano anterior — e com melhor localização.

Também da mesma forma ocorreu na seleção do local da nossa base de apoio. Altamira, a primeira opção bem recebida por todos nós — desde que Marabá já era a base da CODIM —, foi abandonada pela antecipação da concorrente, que imaginando hipóteses mirabolantes do nosso programa deslocou-se às pressas para a instalação de um segundo ponto de apoio. A vila de São Felix do Xingu foi em seguida desconsiderada pelas suas condições sanitárias. O seringal da Ilha de São Francisco, com sua pequena pista de pouso, surgiu como uma oportuna solução.

Havia passado menos de dois meses desde que tomara a decisão de escrever ao Tolbert

Logo um telegrama da Western me convocava para uma entrevista no Rio e, quinze dias depois, em meados de maio, seguia com a direção da Meridional para aquela Belém de 1967, bem mais provinciana, amazônica e deliciosamente acolhedora que a de hoje.

Dias depois estávamos cruzando a região Araguaia-Xingu em várias direções, num Aero-Commander da Líder, na tentativa de identificar alguma estrutura que sinalizasse a presença de depósitos de manganês. Tudo que víamos era a floresta ainda impenetrada, que despertava nossos medos, pois a imaginávamos repleta de animais selvagens, principalmente monstruosas cobras traiçoeiras, e índios arredios—que realmente ainda existiam para as bandas do Xingu. Algumas inexplicáveis clareiras, aparentemente naturais, apenas aguçaram nossa

curiosidade.

Mais alguns dias em Belém, improvisando a compra de materiais e rancho para o acampamento — durante dois anos consumimos canela em pó da primeira compra — e, quando demos conta, estávamos vivendo na ilha de São Francisco.

 

Acampamento pioneiro da ilha de São Francisco do Xingu e geólogo Erasto

 

 

Continuava com meus pensamentos, comparando a agitada rotina no Amapá, no comando e controle da produção da mina de manganês, com o modorrento dia-a-dia na ilha, onde, na condição de chefe de equipe, tinha como responsabilidade apenas supervisionar a construção do acampamento e as melhorias da pista de pouso. Pouco tínhamos que fazer, enquanto não chegassem os helicópteros para o apoio do programa de exploração geológica — e voar de helicóptero na selva era outro medo que nos atormentava.

Felizmente, fui despertado para a realidade pelo chamado do colega Erasto. Haviam decidido testar a canoa construída pelo Feliciano, subindo o Xingu para visitar outro morador da ilha, onde talvez se pudessem comprar laranjas. Era uma bela tarde ensolarada e, apesar da instabilidade do barco, totalmente roliço — o que impedia que nos movimentássemos bruscamente sem cair n'água —, o passeio foi bastante agradável.

Nosso vizinho era um senhor já avançado nos setenta anos, com aquela paz das pessoas que superaram a pressa de viver. Não guardei seu nome, mas poderia ser Raimundo, como assim se chamavam centenas de nordestinos que integraram o exército da borracha no início do século.

Não aceitou o papel de simples vendedor de laranjas e fez questão de nos receber como visitantes, com muito calor humano, na simplicidade de sua casa. Contou algumas histórias da ilha, dos ataques dos caiapós — que ainda aconteciam nos primeiros anos da década de sessenta — e não resistiu à curiosidade de saber quem éramos.

Ao respondermos que éramos geólogos, já nos preparávamos para a explicação adicional do que vinha a ser essa profissão, ainda jovem no Brasil, e não totalmente conhecida mesmo nos grandes centros. Com surpresa, ouvimos:

- Ah!... Geólogos... Noutro dia também recebi um geólogo aqui em casa. Estava subindo o rio e passou uns dias aqui, para descansar um pouco.

Meu olhar inquisidor cruzou com o do Erasto, suspeitando que outra empresa houvesse se antecipado na região, talvez a própria CODIM. Logo perguntei:

- O senhor se lembra do nome dele?...

- Sim, era um rapaz muito simpático, muito agradável. Seu nome era Avelino...

Ficamos tranquilos, mas muito surpresos. O bom cearense estava se referindo ao

geólogo Avelino Ignácio de Oliveira, pioneiro do reconhecimento geológico dos rios Xingu e Fresco, que durante sua expedição participou das comemorações do "Centenário da Independência do Brasil", na cidade de Altamira.

Quarenta anos haviam passado sem que ocorresse qualquer transformação profunda naquela região — e quanto mudou nas últimas décadas... Parecia difícil de acreditar, mas Avelino foi o último geólogo que nos antecedeu naquela parte do Xingu...

Fonte/Créditos: Publicado originalmente na Revista Brasil Mineral e no livro Pelas Pedras do Caminho Mineral, da editora Signus

Comentários:

Breno Augusto dos Santos

Publicado por:

Breno Augusto dos Santos

Breno Augusto dos Santos é um dos maiores geólogos da história do Brasil. Conhecido como "Descobridor de Carajás", é um profissional histórico e foi o grande vencedor do prêmio Pioneiros da Mineração 2024, entregue pela revista Brasil...

Saiba Mais

Crie sua conta e confira as vantagens do Portal

Você pode ler matérias exclusivas, anunciar classificados e muito mais!