Ellen não é lá uma criança que goste de dormir. Na verdade, nunca gostou. Nunca vi ela dormir por conta própria, sem reclamar. É uma pessoa de dois anos que ama tanto a vida que tem e a família que possui que não quer dormir nem mesmo quando o seu corpo não aguenta mais. Quem mais sofre com isso é Venuzia, sua mãe. Ellen avança rapidamente (mais rápido que gostaríamos) para os três anos e nunca negociou a sua vontade de permanecer acordada para ver o mundo: a rotina é essa: protestos em agudos que causariam inveja em Minnie Riperton, broncas maternas ou paternas e, ao fim, acaba vencida pelo cansaço.
Não há números suficientes no planeta terra para as vezes em que ouvi Venuzia respirar fundo e soltar um ar, como que controlando a impaciência. A maternidade é a missão mais bonita e gratificante que pode haver na vida de uma mulher, mas ela é árdua também e traz cansaço – a mãe da Ellen sente isso todo dia.
Há dias que Ellen luta contra o sono mais do que o normal. Perdemos a paciência, porque não existe mãe ou pai perfeito. Nestes dias, quando o cansaço e a exasperação nos atingem como uma brisa, percebo o amor que minha mulher tem pela nossa filha e compreendo uma coisa: amar não é ser perfeito, mas estar para o outro mesmo quando a mente e o coração pedem uma pausa. Amar é decidir e minha mulher, a mãe da Ellen é a rainha da decisão.
Não há uma noite sequer, desde julho de 22, que Venuzia tenha dormido totalmente bem. E, por volta das 6h30, Ellen já está desperta. Às vezes rindo, às vezes chutando, às vezes nos apressando para acordar e viver. Às vezes querendo a companhia da mãe.
Ellen ama viver, mas ama ainda mais a sua mãe. Pra ela, como fica claro todos os dias, não há graça nenhuma em existir se não for para compartilhar tudo com Venuzia – momentos, roupas, risos e, claro, choros. Sua mãe é seu porto seguro, sua mais completa tradução de universo.
Hoje compreendo melhor a relação das duas. Entendo que, neste filme, as duas são protagonistas. Sou um coadjuvante assíduo, alguém que deve estar ali para ser o suporte, a mola para que ambas brilhem, mas não protagonista.
Uma coisa aprendi com o tempo: a sutil arte de jamais meter a colher quando Venuzia e Ellen estão discutindo sua relação (coisa que fazem bastante). Só as duas se entendem, as duas sabem o que há por dentro das paredes sólidas e imortais da relação entre mãe e filha. Um amor intraduzível, incalculável e bem maior que tudo que há no universo.
Às vezes cansada e precisando de um tempo da rotina, ofereço a Venuzia uma folga, um vale night como chamam lá fora. Ela me olha, analisa bem a situação, pondera, dá de ombros e responde.
- Posso levar vocês?
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