Era uma manhã radiosa, daquelas que ocorriam no início do verão amazônico, quando as queimadas ainda não enegreciam tudo com a sua bruma seca. O temor em voar pela primeira vez de helicóptero era contrabalançado pelo entusiasmo de, finalmente, iniciarmos os nossos trabalhos de exploração geológica. Estávamos começando a desvendar o desconhecido da região, depois de mais de um mês de monótonas atividades, restritas à construção do acampamento na ilha de São Francisco do Xingu, ou relacionadas à logística de apoio. Terminávamos o período de ócio forçado, com suas pescarias, visitas aos seringais da ilha ou, simplesmente, de contemplação dos fulgurantes crepúsculos do Xingu.
Tudo começara quando, em meados de julho, ao recebermos as fotos aéreas do Projeto Araguaia, constatamos que, apesar das facilidades da base de São Francisco, o local era impróprio para os objetivos do nosso programa de exploração. A geomorfologia das redondezas, ao alcance do helicóptero, não sugeria a possibilidade de depósitos de manganês. Para leste havia serras bem orientadas, fantásticas, com grande potencialidade, além de enormes clareiras, que despertavam a nossa curiosidade geológica.

A pista do Castanhal do Cinzento, que acabara de ser aberta pelo seu proprietário, transformara-se em excepcional ponte para penetrar na região, pois estava no centro de toda a área de interesse. Conseguida, com alguma dificuldade, a autorização de seu proprietário, tornava-se urgente a mudança da base de apoio, para que o programa de exploração pudesse ser iniciado. Tudo teria que ser levado para lá: a equipe, suprimentos, equipamentos e, também, os helicópteros. Aproveitaríamos o seu deslocamento para começar a conhecer a geologia da região.
Nos dias anteriores tínhamos sofrido o primeiro grande susto. Havia sido estabelecida uma ponte aérea, entre a base de São Francisco e o Castanhal do Cinzento, utilizando o pequeno avião do Adão. Em cada viagem iam mercadorias e equipamentos, e um ou dois empregados. Como havia necessidade de abastecimento de combustível, alguns voos eram triangulares, com escala até Altamira, para encher o tanque do avião e transportar gasolina de reserva para São Francisco.
Numa dessas viagens triangulares, que havia transportado o geólogo Erasto, o pequeno monomotor do Adão não retornou até o final do dia. Não tínhamos dúvida de que algo grave acontecera, mas onde?... Em qual dos três trechos?... No dia seguinte também não houve retorno...
Para aumentar a nossa ansiedade, o mecânico ao tentar fazer o abastecimento do helicóptero, notara a falta do combustível já preparado em bujões, com um aditivo especial conhecido pela sigla de “TTP”. Os helicópteros “Bell” eram de um modelo muito antigo que utilizava gasolina de aviação com 80 octanas. Esse aditivo, na dose adequada, adaptava a gasolina disponível de 100 octanas para que pudesse ser utilizada.

As primeiras conclusões, de que o abastecimento do Cessninha do Adão houvesse sido feito com o combustível “batizado”, não chegaram a ser por demais alarmantes, pois se avaliava que no máximo poderia causar apenas algumas “engasgadinhas” no monomotor.
Entretanto, no dia seguinte a situação tornara-se trágica. O mecânico, ao tentar preparar o combustível para o helicóptero, descobrira que por engano haviam utilizado também um bujão de 20 litros do aditivo “TTP”. Não havia mais dúvida de que a dose havia sido cavalar para o pequeno Cessna 170, e de que em algum momento o motor ficara totalmente travado. Mas onde?...
Não havia outro avião na base, e nem equipamento de rádio para solicitarmos informação e ajuda. Ficamos angustiados e impotentes, sem nada poder fazer, e nada fazendo, só espreitando o horizonte, na expectativa de que algum milagre ocorresse. Qualquer zumbido nos céus já nos alentava com uma esperança.
Na tarde do terceiro dia, quando o desânimo da pequena equipe era total, um braçal de Altamira, o Franciner, que possuía uma escolaridade acima da média e era dotado de uma audição fenomenal – e que às vezes tinha até visões —, entra correndo no acampamento, gritando que o Comandante Adão – como era conhecido pela população da região -, estava voltando. Como nada ouvíamos, julgamos que fosse uma de suas alucinações. Mas aos poucos, cada um de nós também começou a ouvir o suave ronco do motor, mais doce do que nunca.
Os geólogos Ritter e Erasto, que já se encontravam no Cinzento, sofreram a mesma angústia, pois o Adão não retornara no dia seguinte, conforme combinado, com o restante da mudança.
O “Cessninha-170” (PT -AOV) realmente tivera uma pane séria. O motor simplesmente havia parado, com os cilindros emperrados, mas quando Adão, com grande sorte, já tocava a pista de Altamira. Foram necessários quase dois dias para que o mecânico resolvesse o problema, limpando cada cilindro do motor. Apesar do susto, os deuses começavam a jogar do nosso lado... Mas, nesse clima de muita emoção é que estávamos dando início ao “BEP-Brazilian Exploration Program” na Amazônia.
A reunião da noite anterior havia sido um pouco tensa. O piloto de helicóptero, Aguiar, com toda a sua experiência, argumentava que seria muito arriscado tentarmos atingir o Castanhal do Cinzento, no rio Itacaiúnas, voando em linha reta, e sem possibilidade de reabastecimento.
Estaríamos no limite da autonomia de duas horas do helicóptero, com o agravante de que certamente pegaríamos vento de frente. O piloto Adão, pioneiro no vale do Xingu, e que já começava a integrar-se à nossa equipe, tudo ouvia e dava alguns palpites, tentando contribuir com o profundo conhecimento que possuía da região.
Eu procurava disfarçar a minha insegurança, ante a missão de ter que coordenar tal programa de exploração geológica, sem nunca sequer ter voado de helicóptero. Tolbert, quando partira para o Rio, tinha procurado deixar-me tranquilo, ao afirmar que não me preocupasse, que a companhia estava pagando para que aprendesse, pois ninguém havia feito isso na Amazônia. Mas, na hora de começar, a tranquilidade desaparecera e muitos eram os fantasmas que me atormentavam.
A lembrança do mapa da sala do Tolbert, no escritório da Anfilófio de Carvalho, onde a Meridional tinha sua sede no Rio de Janeiro, fez com que eu arriscasse um palpite. Na parede havia um grande painel com antigos mapas da USAF, na escala de 1:1.000.000, com destaque para a região Tocantins-Xingu. Dois meses antes, por ocasião da entrevista de admissão, ao ser informado sobre onde seria o projeto, bem como da utilização do helicóptero, fiquei assustado com o vazio da região e a falta de apoio para os voos, onde os rios apareciam como único guia para a orientação. Também chamou atenção o fato de que dois pequenos afluentes, de rios secundários das duas bacias – o igarapé Carapanã, no Fresco, e o rio Cateté, no alto Itacaiúnas —, quase tocassem as suas cabeceiras, indicando o único caminho natural entre as duas bacias.
Assim, acabou sendo aceita, pelo piloto Aguiar, a rota: São Francisco - rio Xingu - São Félix do Xingu - rio Fresco igarapé Carapanã - rio Cateté - Aldeia Xicrins - rio Cateté - rio Itacaiúnas - Castanhal do Cinzento. Toda a equipe saberia por onde voaríamos, o que poderia facilitar as buscas se o pior acontecesse. Além da segurança, apresentava uma vantagem geológica, pois na serra, que separava as cabeceiras do Carapanã e Cateté, havia uma pequena clareira, semelhante às maiores, e que fora selecionada para pouso de reabastecimento. Poderíamos, então, começar a desvendar os seus mistérios.
Como o voo total previsto era da ordem de quatro horas, quase o dobro da autonomia do helicóptero, ficou decidido que levaríamos combustível em bujões plásticos nos bagageiros externos do helicóptero. Adão nos aguardaria em São Félix e na aldeia dos caiapós, com combustível adicional. Aguiar determinou que a partir de São Félix, por medida de segurança, pousaríamos sempre que possível para reabastecer o helicóptero, o que nos daria uma hora adicional de autonomia, que jamais deveria ser ultrapassada, para termos chance de retorno.

Abastecimento tranquilo do helicóptero em São Félix do Xingu
Estávamos sobre o Xingu, no rumo sul, e aos poucos o apavoramento do primeiro voo foi-se dissipando, e comecei a apreciar a aventura. O velho helicóptero Bell-G (PT -CAX), possuía como cabina apenas uma bolha plástica, sem portas e, como cauda, uma estrutura metálica tubular, para suporte do pequeno rotor, que compensava o torque do rotor principal e garantia a direção do voo.
Aguiar, apesar do maior risco, gostava de voar baixo, ao redor de 100 metros, e a experiência era fantástica. Com muita emoção observávamos a copa das árvores, os pedrais no rio e, por vezes, bandos de araras que voavam abaixo de nós. A ausência das portas permitia que curtíssemos a natureza amazônica na sua plenitude, inclusive sentindo os seus cheiros.
Até São Félix foi um passeio, sempre sobre o Xingu. Adão nos esperava, conforme combinado, para o reabastecimento. Com o “Até os Xicrins!...” nos despedimos, ante os olhares espantados de alguns moradores.
O rio Fresco era repleto de pedrais, permitindo que Aguiar, após uns 15 minutos, escolhesse um bem favorável para o pouso – teríamos mais 15 minutos de autonomia. Aproveitei para coletar a minha primeira amostra no projeto, de uma rocha vulcânica comum na região.
Nova decolagem e, após alguns minutos, atingimos a boca do Carapanã. Agora o voo tornava-se mais crítico, pois o igarapé era bastante estreito, muitas vezes desaparecendo sob a copa das árvores, dificultando até a própria orientação.
Depois de algum tempo, Aguiar identificou um pequeno pedral, e sob os meus protestos, com um malabarismo aéreo, conseguiu pousar o pequeno helicóptero, com o rotor principal cortando as folhas de uma pequena embaúba. Segunda amostra coletada, de outra rocha vulcânica.
Com toda a sua perícia, Aguiar novamente nos colocou no ar e, aos poucos, o Carapanã tornou-se por demais estreito, desaparecendo sob a vegetação. A serra que correspondia ao divisor de águas já era bem visível no horizonte, e por ela nos orientávamos. Mas não tínhamos a menor suspeita sobre o que nos esperava.

Logo nos aproximamos da sua extremidade oeste e passamos a sobrevoar o seu flanco norte, onde se localizava a clareira. De repente, lá estava ela, bastante íngreme nas proximidades do topo da serra, mas aplainada mais abaixo, o suficiente para permitir o pouso do helicóptero.
Entretanto, quando nos preparávamos para descer, Aguiar chamou a atenção para a cobertura vegetal, pois havia uma espécie parecida com uma pequena palmeira, pouco maior que um metro, que poderia dificultar o pouso. Anos depois, ficamos sabendo que essa espécie recebe a denominação de “canela–de-ema” na região Centro-Oeste.
Depois de escolher o melhor local, enquanto pousava o helicóptero, Aguiar pediu-me que olhasse para trás e controlasse a cauda, avisando-o se houvesse risco de choque do pequeno rotor com a vegetação. Mas, meu olhar foi atraído para a cobertura negra da clareira, distraí-me na inspeção de segurança, e o Aguiar soltou um sonoro palavrão quando houve o choque do rotor.
Aguiar decolou o helicóptero, escolheu novo local e pousou com segurança, sem a minha “eficiente” ajuda. Imediatamente saí do helicóptero, tendo o cuidado necessário com os dois rotores, bastante baixos nesse tipo de equipamento. Apesar do risco de incêndio, o reabastecimento era sempre feito com o motor ligado. Os magnetos utilizados na partida costumavam falhar, e havia o risco maior de ficarmos isolados na floresta, sem a possibilidade de socorro imediato.

Serra Arqueada, minutos antes do pouso que revelou a natureza das clareiras de
Carajás. À direita, parte leste da jazida de níquel Onça.
Tinha a esperança de que poderia ser uma crosta de minério de manganês. Enquanto Aguiar começava o reabastecimento, meu martelo quebrava os primeiros blocos. O pó marrom-avermelhado indicava que a crosta da clareira correspondia à canga de minério de ferro.
Tirei as primeiras fotos do minério de ferro de Carajás, ficando como documento histórico da descoberta o flagrante do helicóptero pousado na clareira, enquanto Aguiar ainda cuidava do seu reabastecimento.
Foi um momento de grande emoção, com conflitos entre o entusiasmo e a dúvida. Contemplando o horizonte comecei a sonhar com a possibilidade de que as grandes clareiras também fossem devidas à mesma causa. Mas essa ideia me assustava pela sua grandiosidade...
Sempre que dou alguma entrevista ou faço alguma palestra sobre Carajás, é comum a pergunta: O que de mais importante ganhei com Carajás?... Mesmo reconhecendo que o estigma de Carajás acabou contribuindo para a minha carreira profissional, não tenho dúvidas em afirmar que foi a chance de ter vivido aquele momento, quando pude sonhar, antes que qualquer outro mortal, com a possibilidade de que a natureza nos tivesse sido tão generosa.
Coletei minha terceira amostra. Era muita sorte para a United States Steel. O programa praticamente ainda nem começara... (as amostras da Meridional, quando do encerramento de suas atividades, devem ter sido doadas ao Curso de Geologia da Universidade Federal do Pará).
Aguiar acabara de reabastecer o helicóptero, e, ao aproximar-me, falei com entusiasmo: “É tudo ferro!...” Aguiar não estava preocupado se havia muito ou pouco ferro, mas se chegaríamos, ou não, com segurança à aldeia dos Xicrins.
Explicou-me que o choque poderia ter afetado com gravidade o sistema de direção do helicóptero – eixo e rotor de cauda —, mas que preferia não desligar o motor para a devida verificação. Se o dano fosse grave, ficaria sem condições psicológicas para prosseguir o voo. Mesmo que não houvesse nada, os magnetos eram sempre uma ameaça. Não havia possibilidade de socorro de outro helicóptero em prazo razoável, não tínhamos alimentos, e desconhecíamos os perigos que poderiam nos cercar.

Foto histórica que documenta o pouso na clareira de
Serra Arqueada.
Piloto Aguiar abastecendo o helicóptero
Seus argumentos pareceram bastante razoáveis, e concordei com o prosseguimento do voo. Teríamos que voar mais que uma hora nesse clima de ansiedade. O trecho mais crítico seria sobre a serra, pouco mais que 10 minutos, onde não teríamos locais para um pouso de emergência. Com alegria e alívio atingimos o Cateté. Agora o helicóptero serpenteava sobre os meandros do rio, pois queríamos ter sempre um espaço livre para qualquer emergência. Para nos distrairmos e espantarmos o medo, cantávamos a plenos pulmões: “Vamos passear na floresta enquanto o seu lobo não vem...” Quem diria!...
Felizmente, e mais rápido do que pensávamos, chegamos à aldeia, após o total de três horas e quarenta minutos de voo. Com alegria fomos recebidos pelo Adão, pelo mecânico do helicóptero e pelos poucos índios que estavam na aldeia – era época de caça.
O motor pôde ser desligado, e a verificação feita pelo Aguiar e pelo mecânico, que constatou que, aparentemente, não havia nenhum dano sério. Apenas um pequeno sinal da batida no rotor de cauda.
Reabastecido o helicóptero, tapeamos a fome com alguns biscoitos, pois já passava do meio-dia, e prosseguimos para o Castanhal do Cinzento. A aldeia não ficava muito longe da desembocadura do Cateté, e estava ansioso para conhecer a geologia que encontraríamos nos pedrais do Itacaiúnas.
Mas mal atingimos o Cateté, o motor começou a ratear, o helicóptero balançou, e perguntei ao Aguiar: “Vamos voltar?...” Tive a resposta imediata: “Já estamos voltando!...” Felizmente o motor ainda teve potência suficiente para atingirmos a aldeia. Recebi o meu batismo com o pouso de emergência, o primeiro de uma série bem maior do que poderia suspeitar.
Prosseguimos a viagem com o avião do Adão. Logo que cheguei ao Cinzento, chamei Ritter e Erasto, para que vissem as amostras coletadas. Erasto também estava entusiasmado, pois encontrara, em pedrais do Itacaiúnas, afloramentos de rochas máficas com mineralizações de magnetita. Posteriormente, ficamos sabendo, já nos tempos da Docegeo, que essas rochas fazem parte da sequência Pojuca-Salobo, mineralizada a cobre, ouro e magnetita.
Ao comentar que as outras clareiras poderiam ser iguais, logo elaboramos o raciocínio de que isso seria praticamente impossível, pois teríamos os maiores depósitos de minério de ferro do mundo. Mais impossível seria que depósitos tão grandiosos, aflorantes, ainda não tivessem sido descobertos, quando o homem já se preparava para pousar na Lua.
Apesar do absurdo, nosso raciocínio quanto à impossibilidade estava errado. De fato, eram as maiores reservas de minério de ferro de alto teor encontradas na Terra!...
No dia seguinte, Ritter e Aguiar foram apanhar o helicóptero, já recuperado, na aldeia dos Xicrins, para executar o reconhecimento do Itacaiúnas até o Cinzento. Adão ficou aguardando até que decolassem, mas não chegaram até o final da tarde, conforme previsto.

Helicóptero sobre pedral do rio Itacaiúnas, e o geólogo Ritter nadando para
Apanhar o saco emborrachado
No dia 2 de agosto, bem cedo, Adão partiu em busca do helicóptero. Logo retornou para nos tranquilizar, informando que avistara o helicóptero sobre uma pedra no meio do rio, e que parecia que os dois estavam bem. Providenciamos um saco encauchado com alimentos e remédios, e parti com Adão para fazer o lançamento no rio. Mais tarde, ficamos sabendo que o eixo do rotor de cauda se rompera, deixando o helicóptero sem dirigibilidade, como consequência do choque do rotor no pouso desastrado na clareira. Por que só agora acontecera?...
Uma equipe foi organizada para o resgate fluvial, o que acabou levando um dia e uma noite, mas com todos bem.
No mesmo dia segui com Adão para Belém, para comunicar ao Tolbert o início dos trabalhos e a descoberta. Depois de quase duas horas de espera no posto telefônico da antiga Radional, consegui informar o que acontecera. Para bem comunicar o local do pouso, levei uma foto aérea da serra, e pedi que Tolbert, observando o seu número, pegasse a duplicata no Rio. Então, para simplificar a comunicação, disse: “Está vendo a clareira nessa serra arqueada?...” E, a partir desse momento, Arqueada passou a ser o nome da serra do descobrimento, assim sendo conhecida em todos os mapas da região.

Apesar de comentar a possibilidade de que as outras clareiras também pudessem ser devidas à canga de minério de ferro, a reação de Tolbert foi bastante fria, acabando com o meu entusiasmo: “Tem muito ferro no mundo... Continuem procurando manganês.”
No início de agosto, um sobrevoo em baixa altura, com o monomotor do Adão, sobre as clareiras da Serra Norte, confirmou a grande semelhança com a clareira da Serra Arqueada.
Em agosto, entre os dias 17 e 20, participei com Tolbert de voos com magnetômetro na região, a partir da serra do Sereno, bem como ao redor de Serra do Navio, no Amapá, na tentativa de se encontrar alguma camada guia dos depósitos de manganês, com resposta magnética, que pudesse orientar as futuras buscas. Nada foi conseguido, mas, quando o DC-3 da LASA sobrevoava as clareiras, a agulha que fazia os registros magnéticos endoidava.
No final de agosto, com os dois helicópteros da Helitec em condições de voo, os três geólogos da equipe fizeram o reconhecimento das grandes clareiras, logo depois batizadas como N1, N2, N3, N4 e N5 – na Serra Norte -, e S11 - na Serra Sul -, confirmando a hipótese inicial.
No início de setembro, o engenheiro de minas Francisco Sayão Lobato, consultor da Meridional, visitou a área e ficou profundamente entusiasmado com o que viu.
Em decorrência da descoberta do manganês de Buritirama, na mesma época, Tolbert veio visitar a região, mas deixando as clareiras para o segundo dia. Isso comprova que a descoberta do ferro de Carajás não foi um jogo de cartas marcadas, como muita gente chegou a suspeitar.

O geólogo Breno e o capataz Francisco Gadelha fazem o primeiro pouso na
Clareira N4E. Hoje a mina encontra-se a várias bancadas abaixo desse nível
Assim, somente na manhã de 17 de setembro, sob a neblina segui de helicóptero com Tolbert para a N3, uma pequena clareira de Serra Norte. Logo ao descer, seu olhar brilhava de felicidade, rindo como criança. Caminhava pela clareira, quebrando com o seu martelo os blocos de canga que encontrava. Comparou o que via com a jazida de ferro de Águas Claras, nas proximidades de Belo Horizonte, pertencente à MBR.

Descoberta do manganês de Buritirama pelo geólogo Erasto, ao lado do engenheiro
Francisco Sayão Lobato
Entre outros comentários, um marcou-me para sempre: “Quantos geólogos trabalham a vida toda sem ter a alegria de participar de uma grande descoberta... Você está começando a sua vida profissional e já teve essa sorte!...” Depois de deixá-lo curtir todo o seu entusiasmo com o que via, por mais de uma hora, disse-lhe que para mim aquilo não representava nada. Ante seu espanto, pedi que entrasse no helicóptero.

A neblina já se dissipara e solicitei ao piloto que subisse bastante. O dia estava bem claro, e na nossa altura era possível contemplar a região em sua plenitude, a Serra Norte e a Serra Sul, com suas clareiras. Tolbert começou a entender o que queríamos dizer quando afirmávamos que havia muito ferro. Que tudo não era apenas uma ilusão, fruto do entusiasmo de três jovens geólogos brasileiros.
Aos poucos, a alegria quase infantil, que Tolbert sentira na primeira clareira, foi sendo substituída por uma expressão compenetrada de preocupação. Comportou-se com seriedade profissional quando visitamos as grandes clareiras, sem as suas brincadeiras habituais, tornando-se mais grave a cada pouso. No final da tarde, quando retornamos ao Cinzento, ante o seu mau humor, Erasto perguntou-me se havíamos brigado. Respondi que não, que estava novamente de paquete... – como na época nos referíamos à popular “TPM” de hoje. Eram frequentes as alternâncias de humor de nosso chefe e amigo, e usávamos esse código para alertar os companheiros.
Tolbert comentou comigo: “É tudo muito grande e minha companhia não vai ter competência política para ficar com isso...” E a história seguiu o seu curso...
Notas do Autor
1 – Esta crônica foi extraída da entrevista dada ao jornalista Lúcio Flávio Pinto, publicada na Agenda Amazônica, edição nº 11, de julho de 2000. Talvez o leitor, já cansado desta história, tantas vezes contada, e tantas vezes ouvida, tenha um aborrecimento adicional com o excesso de detalhes, que foram fruto da provocação: “Como foi aquele 31 de julho de 1967 para você? Faça uma descrição a mais detalhada possível”.
2 – Resolvi relembrar essa história por dois motivos:
Em primeiro lugar, por estarmos comemorando em julho o 34º aniversário da descoberta de Carajás.
Mas é principalmente em memória de minha mãe, Yvonne Frioli dos Santos, precocemente falecida no último 20 abril, pois embora com 84 anos, ainda afirmara, no nosso último encontro durante o seu aniversário em março, que sua cabeça continuava com 48 – e nem as bisnetas tinham dúvida quanto a isso.
Um ano atrás, ao ver os originais da entrevista do Lúcio, fez questão de lê-los na íntegra, emocionando-se particularmente com a parte referente à descoberta, lembrando com saudade das minhas conversas entusiasmadas no seio da família, acompanhadas pela ilustração dos primeiros slides, quando tudo ainda era “segredo de Estado”, mas o sonho já era enorme. Foi a última vez que comentou com profundidade o meu trabalho e a minha profissão.
Entre outras dedicatórias, no meu livro sobre o potencial mineral da Amazônia, dediquei-lhe:
“Para minha mãe – que me ensinou a alegria de viver.”
Sem a sua presença, parece que esqueci totalmente tudo o que foi aprendido...
Fonte/Créditos: * Publicada originalmente na Revista Brasil Mineral e no livro Pelas Pedras do Caminho Mineral, da editora Signus
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